
O termo Chatfish descreve a prática de terceirizar as mensagens em aplicativos de relacionamento para inteligências artificiais, mantendo a identidade real da pessoa, mas substituindo sua voz.
É importante notar a distinção em relação ao Catfish, termo em inglês para a prática de se passar completamente por outra pessoa na internet com intenção de conquista.
A principal diferença é que, no chatfish, a identidade costuma ser verdadeira, abrindo a possibilidade de um encontro presencial.
Assim, o cerne do debate reside no fato de que a presença física pode ser preservada, mas a autenticidade da comunicação é comprometida.
As motivações para usar chatfish são diversas. Há quem sofra de ansiedade social ou transtorno do espectro autista e encontre na IA uma ferramenta para aliviar a barreira da comunicação.
A reportagem original aponta também que “Entre os adeptos do chatfishing (aprendi a palavra numa reportagem do britânico Guardian, no último fim de semana) há diferentes motivações.”
No entanto, fora desses casos de suporte legítimo, a maior parte dos usuários parece atraída pela ideia de otimizar a performance nas interações.
Vivemos numa cultura que valoriza apresentar a melhor versão de si a todo momento.
Nesse cenário, recorrer a uma IA para escrever mensagens mais interessantes ou convencer em menos tempo vira uma extensão natural dessa pressão por performance.
Quando toda a conversa é conduzida por um algoritmo, surgem problemas práticos.
O principal deles é o descompasso entre a persona construída nas mensagens e como a pessoa se apresenta ao vivo.
O risco de rejeição face a face pode ser acentuado, gerando frustração para ambos.
Além disso, há uma questão ética clara: o uso de IA sem informar o interlocutor fere o princípio do consentimento informado.
Encontrar alguém acreditando que fala com uma pessoa, quando na verdade dialoga com uma IA ou com mensagens geradas por ela, pode ser considerado enganoso.
Há ainda o risco de normalizar interações superficiais, em que a profundidade emocional é simulada, não vivida.
Um dos cenários mais intrigantes e preocupantes é o surgimento de agentes de IA que conversam entre si em nome de duas pessoas, deixando os usuários para entrar em cena apenas quando a conversa já estiver amadurecida.
A reportagem aponta essa hipótese com clareza ao dizer: “Uma IA ainda vai escolher seu próximo parceiro”.
Se isso se consolidar, perde-se parte da graça e do risco inerente aos encontros humanos.
A interação passa a ser, em grande medida, mediada por uma tecnologia cujo objetivo é eficiência, não necessariamente conexão genuína.
Mesmo que a intenção seja poupar tempo ou evitar conversas desconfortáveis, a consequência pode ser a erosão da confiança nas plataformas de paquera.
Os aplicativos de relacionamento já oferecem ferramentas de sugestão e edição de perfis, além de chatbots eróticos e assistentes que ajudam a planejar encontros.
A resposta saudável passa por três frentes: transparência, limites e suporte.
Transparência significa sinalizar quando uma IA participa ativamente da conversa. Limites técnicos e políticas das plataformas devem coibir agentes autônomos que substituam totalmente a pessoa na interação.
E suporte envolve orientar usuários que recorrem à tecnologia por motivos de ansiedade ou neurodiversidade, garantindo que o recurso seja usado como ferramenta de inclusão, não de manipulação.
O fenômeno chatfish não é apenas uma curiosidade tecnológica, é um reflexo de como a pressão por desempenho e a busca por eficiência invadiram um espaço que historicamente foi reservado à espontaneidade humana.
A conversa em apps de relacionamento, quando automatizada sem aviso, transforma expectativa em produto, e isso merece debate público e regulação.
Ao mesmo tempo, é preciso reconhecer que a tecnologia pode oferecer benefícios reais para quem tem dificuldade em iniciar diálogos.
O desafio será equilibrar inovação com ética, para que o uso de IA nos apps de relacionamento não se torne sinônimo de desconfiança generalizada entre pessoas que buscam conexão.